Da minha janela

Da minha janela, vejo uma praceta e a ponte por detrás dos prédios que, ao  mudar as suas cores com a  luz do dia em contornos de cinzas e rosa me  indica aonde vamos no dia, aonde vamos no ano e aonde vamos na vida.
Na praceta, apesar da pandemia, ainda vejo os do costume passar, vejo janelas pintadas à noite pela vida de cada um.
Vejo uma senhora que procura a morte há muitos anos, pode fugir da pandemia mas põe-se à janela a fumar, todos os dias, com toda a sua obesidade mórbida, janela essa,  que quase nem dá para encaixar toda a sua estrutura. Sorri sempre ficando com os olhos e rugas rasgados  fazendo o seu semblante parecer uma caricatura. Acredito piamente que esta é a personagem que ainda não encontrou a sua crónica ou ficção.
À meia noite, quando passeio a minha cadela, vejo sempre os que, penso, são símbolo da solidão e velhice e antecipo o meu futuro.
Aqui na nossa zona, não somos nem ricos, nem pobres, roçamos ombros com os dois extremos.
Basta descer a rua e encontramos alguns dos prédios dos mais abastados de Lisboa à beira rio.
O barulho dos camiões do lixo às duas da manhã só oiço como aviso de que já deveria estar a dormir e deixar a cabeça descansar.
Agora que é Primavera vemos andorinhas, melros pretos e às vezes borboletas e abelhas visitam a minha corda da roupa, gosto tanto de os ver.
Da minha janela vejo tudo, vejo tudo parar e vejo também tudo avançar com uma velocidade sem piedade.
E tu, que vês da tua?